quarta-feira, outubro 24, 2007

Horizonte astral

Gêmeos
A bagunça será meramente aparente, desde que você não desgrude sua mente dos objetivos mais amplos, que fazem seu coração arder de vontade de realizá-los. Navegar com destreza em águas turbulentas depende disso, de um objetivo firme.

Quiroga / O Estado de São Paulo / 24/10/07

terça-feira, outubro 23, 2007

A ÉTICA DA ELEGÂNCIA

Não é exagero afirmar que o ator Paulo Autran foi uma das pessoas mais elegantes de todos os tempos. Não elegante no sentido fashion ou mesmo estético. Elegante no sentido ético, de civilidade, que pressupõe convivência e que só aqueles que adquiriram sabedoria podem ostentar. Infelizmente uma raridade, cada vez mais valiosa, mas que felizmente tive a oportunidade de além de privar, contar amizade.
Esse privilégio foi um presente do editor e produtor Alexandre Dorea, meu amigo de algum tempo. No início de 2005, logo que comecei a trabalhar no projeto da rede de rádio BandNews FM, Alexandre, cheio de entusiamo, indicou o ator para colunista da programação da rádio com a interpretação de textos da literatura portuguesa: “você tem que levar o Paulo Autran para a Rádio”. Era mesmo o complemento perfeito para acompanhar os jornais completos e muito dinâmicos da BandNews. Topei na hora e pedi ao amigo que marcasse um encontro com Paulo Autran. Fui então apresentado ao grande artista em visita vespertina ao seu apartamento no bairro dos jardins em São Paulo durante o mês de junho. Fomos recebidos, Alexandre e eu, pelo empregado que nos acomodou na sala de estar, com uma imensa janela decorada com a copa das arvóres da alameda Casabranca. Em minutos estavamos frente a frente. Ali, acendendo um cigarro atrás do outro, Paulo revelou mais entusiamo do que eu e meu amigo juntos. Autran já contava 83 anos. Rememorou que já havia feito esse trabalho para a Rádio Nacional à epoca do ministério da educação nos anos 60, quando os principais escritores brasileiros redigiam sob medida para o quadro “Cinco minutos” com Paulo Autran. “Era um sucesso estrondoso” recordou o ator que dava voz e vida à personagens e histórias de Cecilia Meirelles, Paulo Mendes Campos, Rachel de Queiroz e outros. Um misto de encantamento e nervosismo tomou conta de mim, pois apavorado com a idéia de decepcionar o mestre não dando-lhe o devido valor, não consegui fazer uma proposta concreta. Alguns dias depois, ao ligar para tentar combinar tudo, já nas primeiras palavras Paulo, como sempre assertivo em tudo o que fez, objetivou com um “Eu quero fazer...”. Daí em diante foi sempre fácil: contratato, gravações, entrevistas, tudo, desde que ele quisesse. Mas se não fosse de seu agrado, sabia recusar e não vacilava jamais. É daí que nasce a elegância que irradiava Autran. A elegância dos fortes, dos sábios, dos gênios enfim. Cada sílaba, cada inflexão verbal de suas centenas de interpretações no rádio ecoavam elegância. Especialmente quando os textos enfocavam Amor, o sentimento pai de todos os sentimentos humanos. Ninguém conseguia conter a emoção de ouvir a gravação que Autran fez do poema Amar de Carlos Drummond de Andrade. “Que pode uma criatura senão,/ senão entre criaturas, amar?/ amar e esquecer,/ amar e malamar,/ amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados, amar? ...”. A gravação acabou até virando vinheta na rádio e provocou torrentes de cartas e e-mails elogiosos dos ouvintes. Paulo Autran personificou a elegância ao vestir seus atos com a paixão pelo amor, o único sentimento a alimentar a vida de qualquer um com elegância fundamental.

Publicado no caderno Fim de Semana da Gazeta Mercantil que circulou em 11 de outubro de 2007 com o título "Elegância Inesquecível".